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O Tribunal Constitucional, por acordão publicado do Diário da República, Série II de 2020-12-16, decidiu que “(…) os titulares dos cargos de diretor de departamento municipal e de chefe de divisão municipal não se encontram obrigados a apresentar a declaração única de rendimentos, património, interesses, incompatibilidades e impedimentos prevista no artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 52/2019, de 31 de julho (…).”.

Consulta teor do acórdão infra.

Processo n.º 1193/2019
Plenário

Aos cinco dias de novembro de dois mil e vinte, achando-se presentes o Conselheiro Presidente Manuel da Costa Andrade e os Conselheiros Pedro Machete, João Pedro Caupers, Gonçalo de Almeida Ribeiro, , Joana Fernandes Costa, Mariana Rodrigues Canotilho, José João Abrantes, Maria José Rangel de Mesquita e Maria da Assunção Raimundo, e intervindo por videoconferência os Conselheiros José António Teles Pereira, Fernando Vaz Ventura, Maria de Fátima Mata-Mouros e Lino Rodrigues Ribeiro, foram trazidos à conferência os presentes autos.

Após debate e votação, e apurada a decisão do Tribunal, foi pelo Exmo. Conselheiro Presidente ditado o seguinte:

I. Relatório

1. Tendo em conta a recente entrada em vigor da Lei n.º 52/2019, de 31 de julho, A., chefe da Divisão de Gestão Administrativa da Câmara Municipal de Ponta Delgada, veio questionar o Tribunal se e em que medida os cargos de diretor de departamento municipal e de chefe de divisão municipal se encontram abrangidos pelas obrigações declarativas estabelecidas naquele diploma. Mais especificamente, questiona-se se tais cargos podem ser subsumidos no conceito de «dirigentes máximos dos serviços das câmaras municipais», constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 52/2019. Anexa ao requerimento, o requerente juntou circular com o entendimento que perfilha.

2. Tendo sido concedida vista ao Ministério Público, o Senhor Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de que «que na expressão “dirigentes máximos dos serviços das câmaras municipais”, prevista no artigo 3.°, n.º 1, alínea f), segunda frase, da Lei n.º 52/2019 (Aprova o regime do exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos), de 31 de julho, segundo a sua história, letra e sistema, à luz da Lei n.º 49/2012, de 29 de agosto, nomeadamente dos seus artigos 4.°, n.º 1, alíneas a) a c), e 15.°, n.ºs 1, alíneas a), c), e), f), e n.º 2, alíneas a), b), d), não são subsumíveis os cargos de diretor de departamento municipal e de chefe de divisão municipal, mas apenas o cargo de diretor municipal».

3. Afigurando-se pertinente a dúvida suscitada, importa, nos termos do artigo 109.º, n.º 2, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), na redação dada pela Lei Orgânica n.º 1/2018, de 19 de abril, aplicável ex vi do artigo 5.º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 4/2019, de 13 de setembro, resolvê-la.

II. Fundamentação

4. Ao abrigo do disposto no artigo 109.º, n.º 2, da LTC, na redação dada pela Lei Orgânica n.º 1/2018, de 19 de abril, aplicável ex vi do artigo 5.º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 4/2019, de 13 de setembro, enquanto a Entidade para a Transparência não tiver sido instalada cabe ao Tribunal Constitucional, em sessão plenária, resolver as dúvidas relativas à existência, num caso concreto, do dever de apresentação da declaração única de rendimentos, património, interesses, incompatibilidades e impedimentos prevista no artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 52/2019.

A questão que, no presente caso, se coloca consiste em determinar se e em que medida os cargos de diretor de departamento municipal e de chefe de divisão municipal podem ser subsumidos no conceito de «dirigentes máximos dos serviços das câmaras municipais», constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 52/2019.

5. O artigo 3.º, n.º 1, alínea f), da Lei n.º 52/2019 dispõe o seguinte:
«Artigo 3.º
Altos cargos públicos
1 – Para efeitos da presente lei, são considerados titulares de altos cargos públicos:
(…)
f) Titulares de cargos de direção superior do 1.º grau e do 2.º grau, e equiparados, e dirigentes máximos dos serviços das câmaras municipais e dos serviços municipalizados, quando existam.
(…)».

Os cargos dirigentes dos serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado encontram-se definidos na Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro, que estabelece o respetivo estatuto. Segundo o artigo 2.º, n.º 3, deste diploma, «[s]ão, designadamente, cargos de direção superior de 1.º grau os de diretor-geral, secretário-geral, inspetor-geral e presidente e de 2.º grau os de subdiretor-geral, secretário-geral-adjunto, subinspetor-geral e vice-presidente». Já o n.º 4 do mesmo artigo dispõe que «[s]ão, designadamente, cargos de direção intermédia de 1.º grau os de diretor de serviços e de 2.º grau os de chefe de divisão».

Por sua vez, a Lei n.º 49/2012, de 29 de agosto, procede à adaptação à administração local da Lei n.º 2/2004. O artigo 4.º, n.º 1, da Lei n.º 49/2012 dispõe o seguinte:

«Artigo 4.º
Cargos dirigentes das câmaras municipais

1 – Os cargos dirigentes das câmaras municipais são os seguintes:a) Diretor municipal, que corresponde a cargo de direção superior de 1.º grau; 
b) Diretor de departamento municipal, que corresponde a cargo de direção intermédia de 1.º grau;
c) Chefe de divisão municipal, que corresponde a cargo de direção intermédia de 2.º grau».

Por conseguinte, não há dúvidas de que os cargos de diretor de departamento municipal e de chefe de divisão municipal, correspondentes, respetivamente, a cargos de direção intermédia de 1.º e de 2.º grau, não se encontram abrangidos pela parte inicial da alínea f) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 52/2019, que se refere a «titulares de cargos de direção superior do 1.º grau e do 2.º grau, e equiparados». Também não se trata de dirigentes máximos dos serviços das câmaras municipais. Dentro do universo dos dirigentes das câmaras municipais, o único cargo de direção superior é o de diretor municipal. Os cargos de diretor de departamento e de chefe de divisão constituem os restantes cargos dirigentes expressamente previstos na Lei n.º 49/2012. Mesmo tendo em conta que o artigo 4.º, n.º 2, determina que «[a] estrutura orgânica pode prever a existência de cargos de direção intermédia de 3.º grau ou inferior», aqueles cargos não podem, assim, considerar-se de dirigentes máximos. Quando muito, situar-se-ão, relativamente, numa posição intermédia.

6. Em qualquer caso, se as coisas se passam deste modo no plano abstrato do estatuto legal, em inúmeros municípios nem o cargo de diretor municipal nem sequer o de diretor de departamento municipal se encontram providos. Nas suas versões originárias, tanto o artigo 6.º, n.º 1, como o artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 49/2012 estabeleciam que, ressalvadas determinadas situações, os cargos em questão apenas podiam ser providos nos municípios cuja população seja igual ou superior a 100 000 e 40 000, respetivamente. Na redação atual de ambos os preceitos, dada pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, estabelece-se simplesmente que tais cargos podem ser providos «nos municípios desde que assegurada a correspondente cobertura orçamental e demonstrados critérios de racionalidade organizacional face às atribuições e competências detidas». Também o Decreto-Lei n.º 305/2009, de 23 de outubro, que estabelece o regime da organização dos serviços das autarquias locais, prevê (artigo 10.º), no âmbito da estrutura hierarquizada, tanto a possibilidade de criação de unidades orgânicas nucleares, compostas necessariamente por direções ou departamentos, como, em acréscimo ou alternativa, de unidades orgânicas flexíveis, dirigidas por um chefe de divisão.

Deste modo, pode perfeitamente suceder que o dirigente máximo do(s) serviço(s) da câmara seja um diretor de departamento ou até um chefe de divisão. Nuns casos, os cargos de diretor municipal ou de departamento não foram sequer providos no município em questão. Noutros, foram, mas não deixa de verificar-se que determinados serviços não integrem a direção ou departamento em questão. Nessas situações, o dirigente máximo de determinado serviço municipal será, mais uma vez, um diretor de departamento ou um chefe de divisão. Importa, então, determinar se nessas situações tais cargos correspondem à categoria de dirigentes máximos dos serviços das câmaras municipais, para efeitos da alínea f) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 52/2019.

A resposta é negativa. Desde logo, uma determinação tão casuística – conforme no município em questão tenha ou não sido provido determinado cargo, e conforme o serviço que esteja em causa – do âmbito subjetivo de aplicação da Lei n.º 52/2019 dificilmente se coaduna com as exigências de previsibilidade e de segurança jurídica na interpretação e aplicação da lei – ainda para mais uma lei restritiva de direitos, liberdades e garantias, in casu o direito à reserva da vida privada. Além de a letra da lei se prestar em primeira linha a uma interpretação condizente com as definições em abstrato constantes da Lei n.º 49/2012 – dirigentes máximos seriam simplesmente aqueles que correspondem à categoria máxima prevista neste diploma –, no plano material não se encontra justificação para um alargamento casuístico do âmbito subjetivo de aplicação da Lei n.º 52/2019. Não se pode afirmar em abstrato que as necessidades de transparência relativamente ao exercício do cargo de diretor de departamento ou de chefe de divisão num município em que, respetivamente, não tenha sido provido o cargo de diretor municipal ou de diretor de departamento sejam maiores do que no caso em que esse cargo tenha sido provido.

Genericamente, as competências do pessoal dirigente dos serviços das câmaras municipais encontram-se previstas no artigo 15.º da Lei n.º 49/2012 e referem-se à respetiva unidade orgânica, independentemente de se tratar de uma direção, departamento ou divisão. A maior ou menor necessidade de transparência e a magnitude do dano resultante de uma gestão menos proba dos negócios públicos dependem sobretudo da dimensão e impacto social da unidade orgânica em questão, em termos de orçamento, população que serve, número de trabalhadores, âmbito de atividade, etc. Ora, a avaliação dessa necessidade foi em abstrato ligada pelo legislador à categoria do cargo dirigente em questão, evitando-se assim uma apreciação casuística dificilmente controlável. Como se viu, apesar de a criação de direções e departamentos municipais já não estar condicionada a um determinado número mínimo de residentes do município, continua a exigir-se que sejam «demonstrados critérios de racionalidade organizacional face às atribuições e competências detidas» (artigos 6.º, n.º 1, e 7.º, n.º 1, da Lei n.º 49/2012). Quer isto dizer que o provimento ou não dos cargos em questão dependerá sobretudo da maior ou menor dimensão do serviço em causa. Não tendo esta dimensão justificado o provimento de nenhum desses cargos, não há nenhuma razão para supor que a dimensão do departamento ou divisão criados e as atribuições prosseguidas se distingam em medida relevante das de qualquer outro departamento ou divisão municipal do país.

Por outro lado, no plano sistemático e da coerência valorativa, é de notar que uma interpretação da alínea f) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 52/2019 que compreenda no seu âmbito de aplicação cargos de direção intermédia ao nível municipal não se harmoniza com a circunstância de esses mesmos cargos, mas no plano estadual, não se encontrarem abrangidos pela lei. Neste último plano, a lei apenas refere os «[t]itulares de cargos de direção superior do 1.º grau e do 2.º grau, e equiparados», não havendo qualquer margem para uma interpretação que pudesse incluir cargos de direção intermédia. Não se vê por que haveria a lei de ser mais exigente relativamente ao exercício de cargos municipais.

É certo que deste modo não se dá qualquer conteúdo útil à referência constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 52/2019 aos «dirigentes máximos dos serviços das câmaras municipais». A parte inicial desta alínea, ao referir-se a «[t]itulares de cargos de direção superior do 1.º grau e do 2.º grau, e equiparados», seria suficiente. Porventura, ter-se-á pretendido explicitar/reforçar que no plano municipal os cargos de direção superior também se encontram abrangidos pelas obrigações declarativas previstas naquele diploma. Em qualquer caso, a referência aos dirigentes máximos dos serviços municipalizados, igualmente constante da alínea f), já não é supérflua, uma vez que, ao contrário do que sucede relativamente aos cargos dirigentes das câmaras municipais, a Lei n.º 49/2012 (designadamente no artigo 5.º) não os caracteriza como de direção superior ou intermédia, conforme os casos.

III. Decisão

7. Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide que os titulares dos cargos de diretor de departamento municipal e de chefe de divisão municipal não se encontram obrigados a apresentar a declaração única de rendimentos, património, interesses, incompatibilidades e impedimentos prevista no artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 52/2019, de 31 de julho.

Lisboa, 5 de novembro de 2020 – Pedro Machete – João Pedro Caupers – Gonçalo Almeida Ribeiro – Joana Fernandes Costa – Mariana Canotilho – José João Abrantes – Maria José Rangel de Mesquita – Assunção Raimundo – Manuel da Costa Andrade –

O Presidente atesta o voto de conformidade dos Senhores Conselheiros José António Teles PereiraFernando Vaz Ventura, Maria de Fátima Mata-Mouros e Lino R. Ribeiro.

Manuel da Costa Andrade